De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), em menos de três anos, o Brasil regrediu 17 em segurança alimentar e nutricional, retrocedendo ao patamar de 2004. Em meio à pandemia da covid-19, o brasil vive um pico epidêmico da fome: 19 milhões de brasileiros enfrentam a fome no seu dia a dia.
O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia, realizado em 2.180 domicílios nas cinco regiões do país, em áreas urbanas e rurais, entre 5 e 24 de dezembro de 2020, mostra que nos três meses anteriores à coleta de dados, apenas 44,8% dos lares tinham seus moradores em situação de segurança alimentar. Isso significa que em 55,2% dos domicílios os habitantes conviviam com a insegurança alimentar, um aumento de 54% desde 2018 (36,7%).
Em números absolutos: no período abrangido pela pesquisa, 116,8 milhões de brasileiros não tinham acesso pleno e permanente a alimentos. Desses, 43,4 milhões (20,5% da população) não contavam com alimentos em quantidade suficiente (insegurança alimentar moderada ou grave) e 19,1 milhões (9% da população) estavam passando fome (insegurança alimentar grave).
É um cenário que não deixa dúvidas de que a combinação das crises econômica, política e sanitária provocou uma imensa redução da segurança alimentar em todo o Brasil. O retrocesso mais acentuado se deu nos últimos dois anos. Entre 2013 e 2018, segundo dados da PNAD e da POF (Pesquisa de Orçamentos Familiares), a insegurança alimentar grave teve um crescimento de 8,0% ao ano.
A partir daí, a aceleração foi ainda mais intensa: de 2018 a 2020, como mostra a pesquisa VigiSAN, o aumento da fome foi de 27,6%. Em apenas dois anos, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões. Nesse período, quase 9 milhões de brasileiros e brasileiras passaram a ter a experiência da fome em seu dia a dia.
Mapa da fome
Segundo a pesquisa VigiSAN, a insegurança alimentar cresceu em todo país, mas as desigualdades regionais seguem acentuadas. As regiões Nordeste e Norte são as mais afetadas pela fome.
Em 2020, o índice de insegurança alimentar esteve acima dos 60% no Norte e dos 70% no Nordeste, enquanto o percentual nacional é de 55,2%. Já a insegurança alimentar grave (a fome), que afetou 9,0% da população brasileira como um todo, esteve presente em 18,1% dos lares do Norte e em 13,8% do Nordeste.
O Nordeste apresentou o maior número absoluto de pessoas em situação de insegurança alimentar grave, quase 7,7 milhões. Já no Norte, que abriga apenas 7,5% dos habitantes do Brasil, viviam 14,9% do total das pessoas com fome no país no período.
Além disso, a conhecida condição de pobreza das populações rurais, sejam elas de agricultores(as) familiares, quilombolas, indígenas ou ribeirinhos(as), tem reflexo importante nas condições de segurança alimentar. Nessas áreas, em todo o país, a fome se mostrou uma realidade em 12% dos domicílios.
Perfil
Algumas condições individuais podem afetar negativamente a situação de segurança alimentar. Nos dados de 2020, em 11,1% dos domicílios chefiados por mulheres os habitantes estavam passando fome, contra 7,7% quando a pessoa de referência era homem. Das residências habitadas por pessoas pretas e pardas, a fome esteve em 10,7%. Entre pessoas de cor/raça branca, esse percentual foi de 7,5%.
Escolaridade
A fome se fez presente em 14,7% dos lares em que a pessoa de referência não tinha escolaridade ou possuía Ensino Fundamental incompleto. Com Ensino Fundamental completo ou Ensino Médio incompleto, caiu para 10,7%. E, finalmente, em lares chefiados por pessoas com Ensino Médio completo em diante, despencou para 4,7%.
Insegurança alimentar x Insegurança hídrica
A fome vem acompanhada de muitas outras carências, destacadamente a falta de água. A insegurança hídrica, medida pelo fornecimento irregular ou mesmo falta de água potável, atingiu em 2020 40,2% e 38,4% dos domicílios do Nordeste e Norte, respectivamente, percentuais quase três vezes superiores aos das demais regiões.
O abastecimento irregular de água é uma das condições que aumentam a transmissão pessoa a pessoa da Covid-19, ocorrendo com maior frequência em domicílios e regiões mais pobres do país. A relação entre a insegurança alimentar e a insegurança hídrica é incontestável.
Segundo a pesquisa VigiSAN, a proporção de domicílios rurais com habitantes em situação de fome dobra quando não há disponibilidade adequada de água para a produção de alimentos (de 21,8% para 44,2%).
Renda familiar
A insegurança alimentar pode ter avançado também entre as pessoas que não se encontram em condição de pobreza. Houve em dois anos um aumento acentuado na proporção da insegurança alimentar leve – de 20,7% para 34,7%.
Cerca de metade dos entrevistados relatou redução da renda familiar durante a pandemia, provocando inclusive cortes nas despesas essenciais. Esses lares constituem o grupo com maior proporção de insegurança alimentar leve – por volta de 40%.
Isso aponta para o impacto da pandemia entre famílias que tinham renda estável, que provavelmente foram empurradas da segurança alimentar para a insegurança alimentar leve. A crise econômica agravada pela pandemia está fazendo com que a insegurança alimentar se alastre inclusive entre os que não se encontram em condição de pobreza.
Redação Vida & Tal
Fonte: Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco)/ Campanha Olhe pra fome