O tratamento da depressão provocada por diferentes estressores é um dos principais desafios dos profissionais da saúde mental e tem sucesso, principalmente, com o auxílio medicamentoso, em casos moderados e graves. Mas as mudanças de hábitos, como atividade física, psicoterapia e dieta alimentar, são considerados fundamentais para que o paciente possa voltar a ter qualidade de vida e não apenas deixar de ter sintomas.
A relação da alimentação e a conexão entre o intestino e o cérebro são alvos de estudos, há séculos, desde o início da Medicina, e ganhou ainda mais força nas últimas décadas com os avanços das pesquisas no processo inflamatório que leva ao quadro depressivo.
Durante a palestra “Intestino, Cérebro e depressão”, realizada no Congress on Brain, Behavior and Emotions 2023, no início de junho, o médico psiquiatra Kalil Duailibi, presidente do Departamento Científico de Psiquiatria da Associação Paulista de Medicina (APM), lembrou que Hipócrates, pai da medicina ocidental, já descrevia como hábitos alimentares provocavam alterações na saúde e defendia alguns tratamentos por meio das dietas.
“Ele descrevia vários tipos de alimentos que ajudariam diversos quadros clínicos, não só na parte gástrica e do intestino, mas também na parte mental. Hipócrates preconizava para a melancolia que é a nossa depressão, uma dieta que é muito próxima do que hoje chamamos de ‘dieta do Mediterrâneo’ com pouca carne vermelha, e muito mais peixes, oleaginosas e azeite”, comenta.
Duailibi ressalta que, nos últimos 200 anos, os estudos sobre nutrientes e a falta deles nos quadros mentais avançaram, mas que a mudança na compreensão aconteceu, principalmente, há 25 anos, com as pesquisas sobre a microbiota intestinal, que reforçou a ligação com o cérebro.
“Nos últimos anos, a gente tem estudado como pessoas com determinadas características de personalidade também têm algumas alterações nesta microbiota, como, por exemplo, pessoas com muita irritabilidade teriam mais bactérias que produzem ácido propiônico, enquanto pessoas mais tranquilas teriam uma microbiota com muito mais lactobacilos”, exemplifica o especialista.
A depressão começou a ser vista como uma “doença inflamatória” a partir dos estudos sobre a inflamação e suas repercussões no organismo. A partir de 2011, a ciência avançou com o estudo do intestino permeável, conhecido como “leaky gut” ou disbiose, no termo médico brasileiro, de onde viria este “estado inflamatório”.
O psiquiatra explica que o estresse crônico geraria uma alteração no lúmen intestinal com bactérias sendo liberadas para camadas mais profundas, atingindo a circulação, gerando este estado inflamatório.
Tratamento
Neste contexto, Duailibi destaca a necessidade de um tratamento multidisciplinar para depressão, que leva em consideração as diferentes características do quadro de cada paciente, mas que também inclui os conceitos de alimentação do “pai da medicina”.
“Quando a pessoa tem um quadro depressivo de moderado em diante, a medicação é obrigatória. O que vai desatolar essa pessoa é remédio. Quando o quadro é leve para moderado, a atividade física, aeróbica, com dieta, mais integral, são importantes, pois tratam o ‘leaky gut’ e fecham esse estado de disbiose com bactérias do bem que produzem gaba, serotonina”, esclarece.
“A psicoterapia, dieta, atividade física são um pacote de qualidade de vida. Não é só interromper sintomas, é preciso que o paciente volte a estar pleno, isso é muito mais do que apenas deixar de ter sintomas. Por isso, também é fundamental o acompanhamento de um nutricionista e um educador físico”, acrescenta o psiquiatra.
Entre os principais estressores entre os homens, estão o desemprego e a insegurança financeira. Já entre as mulheres, Duailibi cita as questões afetivas, rompimentos e relações familiares. O quadro de abusos de substâncias com uso contínuo do álcool ou em quantidade maiores, ainda pode agravar o quadro depressivo e provocar lesão neural com uso frequentes.
O psiquiatra também faz um alerta para estressores na infância como bullying, perda de pais e avós e, principalmente, o abuso emocional.
“Quando as pessoas respondem pior ao tratamento, procuramos entender melhor a infância e verificamos que 80% passaram por algum tipo de abuso emocional”.
Redação Vida & Tal