Tomar consciência de que rejeita ou repete padrões comportamentais quando lida com ansiedades e traumas que, na verdade, não são diretamente seus e, sim, criados desde a ancestralidade ainda é um assunto muito novo na sociedade. A Herança Transgeracional, tema ainda pouco explorado nos consultórios de psicologia, embora muito estudado, ainda possui baixa oferta de tratamentos por especialistas capazes de identificar tais fatores e tratá-los de forma a equilibrar as condições psicológicas do paciente e proporcionar mais qualidade de vida.
Ainda complexo quando explorado, o tema herança transgeracional tem profunda importância na aplicação na psicoterapia. Na rede e na trama em que são constituídas as relações familiares há inúmeras mensagens transmitidas por diversas gerações e que podem ser conscientes ou inconscientes. Identificar fatores oriundos das gerações passadas que compõem a genealogia e atuar de forma compreensiva para transformá-los é um caminho que pode evitar riscos mais complexos. Todo ser humano tem conteúdos de herança transgeracional e todos são receptores, ao mesmo tempo que podem ser transmissores, também, destas informações.
Essas mensagens sempre são passadas de geração para geração. De maneira geral, correspondem a jeito de ser, crenças, valores, caminhos para identificar e interpretar situações, visão de mundo, estigmas, modo de defesa em crises, além de momentos que geram angústia e ansiedade. Para todos esses pilares, as mensagens repassadas podem afetar ou não o indivíduo. Consciente ou inconscientemente, todo ser humano é capaz de elaborá-las e se tornar seus retransmissores, já que estes dados o afetam desde antes do nascimento.
Em linhas gerais, o modo de transmissão é a identificação. Muitas são elaboradas após serem introjetadas e, naturalmente, a maioria é transformada em pensamentos. O que ocorre na maioria das vezes é que em muitos casos essa transformação em pensamento não passa pelo processo de elaboração ou de digestão, o que inicia uma série de processos comprometedores da saúde mental.
A forma como o ser humano se relaciona é determinada pelo tipo de vínculo recebido das figuras da infância. É possível desenvolver estilos específicos, como os seguros ou inseguros, por exemplo.
“Uma criança que estabeleceu vínculos seguros tende a criar relações positivas e mais facilidade de encontrar um equilíbrio entre intimidade e independência. Por sua vez, uma criança mais insegura fatalmente encontrará dificuldades nos relacionamentos interpessoais, se tornando um adulto ansioso, que procura insistentemente níveis de intimidade elevados”, afirma a psicoterapeuta Ana Gabriela Andriani.
“Tipicamente, são pessoas mais impulsivas, preocupadas, emocionais e dependentes. Ao mesmo tempo tornam-se mais desligadas e independentes e evitam relações amorosas ou de compromisso. Para estes perfis, os relacionamentos têm papel meramente secundário, já que há claramente maior dificuldade em lidar com sentimentos”, ressalta.
Outro exemplo muito comum e visto como conflito nas gerações atuais é o pensamento de que mulheres são fortes e não podem sentir dor. Embora polêmico, esse fato pode ser transformado em modo produtivo quando se questiona os porquês e a adequação da personalidade do indivíduo que, de alguma forma, se sente incomodado com determinadas crenças.
“Ao discutir os porquês e os motivos onde a pessoa se encaixa naquela situação é possível elaborar e chegar a conclusões que façam sentido ao processo evolutivo”, afirma Ana Gabriela.
Ao trabalhar o questionamento e a elaboração dos fatores que o paciente leva para as sessões por meio do diálogo, digestão das ideias, identificação de fatores à gerações próximas como dos pais e avós, ele percebe o que lhe faz sentido de fato e o que não conversa com a sua personalidade, com suas visões de mundo e seu jeito de ser. Desta forma é possível reverter e encerrar ciclos ou posicionamentos criados e trazidos de geração para geração de forma a contribuir para a minimização de crenças e percepções que talvez já nem façam sentido.
Quando a pessoa conhece seus pontos de sensibilidade, percebe que há fatores comportamentais que estão, de alguma forma, comprometendo seu equilíbrio ou seu convívio social, mas não os trata, as possibilidades de elaboração das fantasias, crenças e mitos transferidos ocasionam sofrimento e desequilíbrio. Em muitos casos, são fatores de herança transgeracional os casos de vicio, uso de drogas, alcoolismo, além de psicopatologias relevantes e preocupantes como tendências ao suicídio, por exemplo.
Dessa forma, a importância de estudar a herança transgeracional está totalmente atrelada à evolução e ao equilíbrio das relações familiares. O questionamento destas mensagens é importante para a evolução das relações e para a saúde mental pessoal. Uma pessoa equilibrada e consciente do seu passado e do seu presente, do peso que as percepções passadas têm sobre sua personalidade e o quanto elas podem ou estão afetando sua vida certamente vive com muito mais qualidade de vida e constrói conexões solidas e duradouras, além de ter equilíbrio físico mental e emocional.
Além disso, cuidar e compreender os fatores gerados inconscientemente ao longo das gerações faz com que o individuo atual seja um transmissor mais qualificado e atento à evolução humana tanto na vida atual quando para as próximas gerações.
Redação Vida & Tal