Popularmente conhecida como maconha, a Cannabis sativa e suas mais de 140 substâncias com poderes medicinais têm atraído cada vez mais os olhares e interesses da ciência médica e da indústria farmacêutica. Entre os componentes fitocanabinoides, dois se destacam pelo potencial terapêutico – o THC, responsável pelo efeito psicoativo da maconha, e o canabidiol, conhecido pelo potencial terapêutico. Ambos tornaram-se os principais objetos de estudo a cerca dos benefícios da planta.
Em dezembro de 2019, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou a fabricação e a venda de medicamentos à base de cannabis, no Brasil. Porém, a liberação não inclui o cultivo da planta pelas empresas e de acordo com a agência, a autorização para o plantio deve vir do Congresso Nacional.
Apesar dos efeitos cientificamente comprovados em torno do tratamento de doenças como a epilepsia, alzheimer, câncer, autismo e dores crônicas, ainda há uma discussão sobre os benefícios das substâncias no tratamento contra o Parksinson. Doença que, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), atinge 1% da população acima de 65 anos.
De acordo com o médico mastologista do Hospital das Clínicas da UFMG e presidente da Associação Brasileira de Pacientes de Cannabis Medicinal (AMA-ME), Leandro Ramires, o Parkinson atinge os neurônios dos gânglios da base do cérebro, o que dá origem aos conhecidos tremores.
“A mensagem para se movimentar um membro, por exemplo, sai do córtex cerebral, passa por esse relé e vai diretamente ao membro. Então, o paciente do Parkinson manda a ordem do cérebro para movimentar o membro, só que o relé, que é o gânglio da base, está defeituoso. Com isso, o impulso passa de maneira intermitente, daí o tremor que é muito comum no Parkinson”, explica.
Além dos problemas motores, a doença também provoca ansiedade, noctúria (acordar à noite para urinar), constipação intestinal, dentre outros. Ramires afirma que “tanto o canabidiol quanto o THC têm um potencial de recuperar esses neurônios que foram perdidos nos gânglios da base, além de proporcionar uma melhor condução nervosa desse estímulo. É um processo de reversão parcial da neurodegeneração e impede a progressão da doença”.
Segundo o médico, a AMA-ME atende, hoje, aproximadamente 30 pacientes que fazem o tratamento do Parkinson utilizando o canabidiol. Todos apresentaram melhoras nos sintomas, especialmente nos sintomas não motores. Ainda de acordo com o médico, esses pacientes reduziram a dose medicamentosa tradicional.
Efeito psicotrópico do THC
Por outro lado, o neurologista e professor do departamento de Clínica Médica, Francisco Eduardo Cardoso, aponta que especificamente em relação à doença de Parkinson, há uma controvérsia em relação aos produtos derivados da cannabis, sobretudo ao THC.
“Os estudos dessa área são de ótima qualidade e concluíram que não há benefício sob o aspecto motor. Muito dos produtos à base de canabidiol no Brasil raramente contém apenas essa substância, geralmente, eles têm também o THC, que pode modificar o comportamento das pessoas”, declara.
O médico explica ainda que esse tipo de produto (com o THC) tem efeitos ruins sobre a parte cognitiva e pode levar a alucinações.
“Não é que exista uma oposição minha ou da área de movimentos anormais aos derivados da cannabis. Mas, é uma área que requer mais estudos e não está pronto para o uso indiscriminado”, completa.
Tratamento suplementar
Ao contrário dos casos de epilepsia, em que o canabidiol pode ser utilizado como um substituto para os remédios tradicionais, no Parkinson, a indicação é que a substância seja utilizada de forma complementar aos medicamentos.
“A minha recomendação nesse momento, em que a gente carece de estudos clínicos consistentes, é que o uso de cannabis medicinal seja auxiliar ao tratamento que já existe padronizado”, informa Leandro Ramires.
Maconha medicinal x maconha recreativa
O tratamento à base de fitocanabonoides não é feito do mesmo jeito que o uso recreativo da maconha. Ao invés de fumada, a planta passa por um processo de extração e produção de um medicamento fitoterápico, que pode ser usado oralmente e em doses controladas, evitando o efeito psicoativo do THC.
“Eu não recomendo, de maneira alguma, o uso fumado, porque ele vai gerar a queima de papel e material vegetal, e isso produz compostos, como o monóxido de carbono, que são tóxicos. O melhor uso é através de um extrato, em que o médico pode controlar a concentração dos canabinoides para atingir um melhor efeito, em detrimento do efeito psicoativo”, esclarece Leandro Ramires.
Redação Vida & Tal
Fonte: Universidade Federal de Minais Gerais (UFMG)