Os números exatos ainda são pouco conhecidos, mas segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), as doenças raras afetam até 65 pessoas a cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 para cada 2 mil pessoas, sendo que 75% delas ocorrem em crianças e jovens. Atualmente, a entidade internacional estima que existam cerca 8 mil tipos de condições raras e que pelo menos 80% ocorram por alterações genéticas, por isso não têm cura, mas existem tratamentos que amenizam os sintomas e melhoram a qualidade de vida dos pacientes.
De acordo com o Ministério da Saúde, algumas doenças podem ser consideradas raras por uma ampla variedade de sintomas e sinais, mas, principalmente, por quatro fatores: incidência, raridade, gravidade e diversidade. Elas geralmente são crônicas, progressivas, debilitantes, degenerativas e podem levar à morte. Muitas delas não têm cura, de modo que o tratamento consiste em acompanhamento clínico, fisioterápico, fonoaudiológico e psicoterápico, por isso o diagnóstico precoce e o tratamento adequado são tão importantes para os portadores dessas enfermidades.
A amiloidose é uma dessas doenças raras sistêmicas, causada pela deposição extracelular de fibrilas proteicas (substâncias amiloides), que, por um erro metabólico, são depositadas em diversos tecidos, e o organismo não consegue remover, trazendo vários danos aos órgãos atingidos.
Quando há deposição das fibrilas proteicas dentro do coração, há amiloidose cardíaca, uma doença cujo diagnóstico requer alto grau de suspeição clínica e é fundamental que seja precoce, pois se não for tratada, pode evoluir de forma progressiva e letal.
Também conhecida como síndrome do coração rígido, essa doença é muito grave, segundo a cardiologista Lídia Ana Zytynski Moura, diretora administrativa do Departamento de Insuficiência Cardíaca da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), pois à medida que os depósitos de proteínas no tecido do coração aumentam, cresce a rigidez e a restrição do relaxamento do órgão.
“Conforme isso acontece, o funcionamento do coração é comprometido. O acúmulo de proteínas no tecido cardiovascular pode levar ao baixo bombeamento de sangue, comprometimento dos átrios e cardiomiopatia restritiva, na qual o órgão se torna tão rígido que não consegue se expandir para encher de sangue e distribuí-lo adequadamente para diversas regiões do corpo”, explica Lídia.
O coração é afetado em 50% dos casos de amiloidose, sendo que, dessas ocorrências, 5% acarretam danos exclusivamente ao sistema cardíaco, sem afetar outros órgãos.
O envolvimento cardíaco depende do tipo de amiloidose. O prognóstico dela também vai depender do subtipo associado, apresentando alta mortalidade em alguns deles.
Os tipos mais comuns de amiloidose podem ser definidos de acordo com suas proteínas precursoras. A gravidade e a frequência do comprometimento cardíaco variam de acordo com as fibrilas envolvidas, que na doença cardíaca são a transtirretina (TTR, que pode ser mutante [hereditária] ou senil [selvagem]) e a imunoglobulina de cadeias leves (AL). Assim, existem três tipos de amiloidose cardíaca: TTR selvagem, TTR hereditária e AL.
A amiloidose cardíaca por TTR selvagem é a mais frequente das três, especialmente em idosos, e ocorre por anomalias no desdobramento e deposição da TTR, sem envolver mutação. A doença por TTR hereditária, por outro lado, é uma doença genética com padrão autossômico dominante, sendo observada em pacientes mais jovens do que naqueles com a forma selvagem.
Também chamada de primária, a amiloidose AL é a forma mais comum da doença sistêmica e está associada a um defeito na produção de imunoglobulina pelos plasmócitos. Pode ocorrer espontaneamente, mas é habitualmente associada a outros distúrbios sanguíneos, como mieloma múltiplo.
Comprometimento cardíaco
Por se manifestar de maneiras variadas, não há um padrão definido de como essa doença cardiovascular se apresenta no organismo, variando o comprometimento cardíaco de acordo com o tipo, mas os sintomas mais comuns são sinais de insuficiência cardíaca, como falta de ar, cansaço, edema nos membros inferiores, associados com um padrão anatômico cardíaco que não é de dilatação na maioria dos casos e, sim, um padrão de funcionamento normal do órgão com dificuldade de relaxamento.
Lídia comenta que também se pode ter dor torácica (como angina), desmaios e dependendo do tipo de amiloidose, púrpura, síndrome do túnel do carpo e até mudança na condução elétrica do coração. Mas como ainda não se tem o perfil epidemiológico da doença tão bem definido, sabe-se que é mais comum em homens, a partir de 65 anos e de maior prevalência em alguns tipos da enfermidade em pessoas da raça negra, é importante estar atento aos sintomas e buscar ajuda médica.
De difícil diagnóstico, normalmente não há suspeita dessa doença numa primeira consulta e por isso é comum os médicos solicitarem vários exames para descartar outras enfermidades antes de chegar à diagnose da amiloidose cardíaca.
“Muitas vezes, chega-se ao diagnóstico por meio do comprometimento de outros órgãos, como uma condição dermatológica ou uma disfunção renal associada”, informa a especialista.
Ela ressalta que para fechar a diagnose é preciso observar os sintomas e solicitar os exames: eletrocardiograma, ecocardiograma, cintilografia com pirofosfato e ressonância magnética, que poderão detectar arritmias cardíacas, alterações nas funções do órgão e distúrbios na condução elétrica do coração.
“No entanto, se há o depósito da substância amiloide em outro órgão que não o coração, pode-se fazer a biópsia desse tecido e, se encontrar as fibrilas proteicas dentro dele, fechar o diagnóstico em amiloidose, e a partir dos dados dos outros exames, constatar o comprometimento cardíaco”, afirma a cardiologista, lembrando que a principal forma de manejo da doença é a prevenção e o diagnóstico precoce.
“É uma condição muito rara, por isso a diagnose pode ser tardia, levando, muitas vezes, a tratamentos inadequados, o que pode agravar ainda mais a condição do paciente. Por isso, o cardiologista precisa conhecer as doenças raras e, de acordo com os sintomas, pensar na hipótese de amiloidose cardíaca”, reforça Lídia.
Em relação aos tratamentos disponíveis, eles variam de acordo com o quadro clínico, o tipo de proteína amiloide envolvida e idade do paciente. Pode ser indicado: o uso de diuréticos e restrição de sal na dieta, para controlar a insuficiência cardíaca; uso de marcapasso para melhorar o funcionamento do órgão no que diz respeito à condução do sangue; quimioterapia com o objetivo de reduzir o número de proteínas danosas; e tratamento medicamentoso.
“O objetivo vai ser amenizar os sintomas para melhorar a qualidade de vida, tentar a interrupção da produção da proteína que gera a doença ou mesmo a estabilização das proteínas instáveis”, explica a cardiologista.
O transplante de coração é feito somente em casos muito específicos devido à alta taxa de complicação em portadores dessa enfermidade.
“O importante para esses pacientes é o reconhecimento precoce da amiloidose cardíaca e ter acesso aos tratamentos, prevenindo o depósito de amiloide nos órgãos, um dos fatores fundamentais para a boa evolução da doença”, conclui Lídia Zytynski.
E em tempos de pandemia de Covid-19, assim como os pacientes de doenças crônicas não transmissíveis, as pessoas com as doenças raras precisam redobrar os cuidados e nunca abandonar seus tratamentos.
Redação Vida & Tal
Fonte: Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC)