Uma pesquisa de doutorado realizada na UFMS tem como objetivo o desenvolvimento de um novo método para o diagnóstico da Paracoccidioidomicose (PCM). Esta é uma doença sistêmica, causada por um fungo termodimórfico do gênero Paracoccidioides spp. que, de acordo com o governo federal, é uma das dez principais causas de morte por doenças infecciosas e parasitárias, crônicas e recorrentes, no País. É classificada como uma doença negligenciada, que, por definição da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), é causada por um agente infeccioso ou parasita e é endêmica em populações de baixa renda.
O novo método diz respeito à utilização da técnica de espectroscopia no infravermelho para a caracterização do soro sanguíneo de pacientes infectados associada ao aprendizado de máquina, ou seja, na criação de um algoritmo para a análise dos dados obtidos. O estudo foi inspirado na pesquisa desenvolvida para o diagnóstico da leishmaniose e é realizado por meio de uma parceria entre a Faculdade de Medicina (Famed) e o Instituto de Física (Infi), através do Laboratório de Óptica e Fotônica da Universidade, que faz parte do Sistema Nacional de Laboratórios de Fotônica (Sisfóton).
Doença e métodos de diagnóstico atuais
“A PCM afeta predominantemente, mas não exclusivamente, os lavradores, porque é causada por um fungo que vive no subsolo das terras férteis. O ato de revolver a terra com enxada ou com máquinas levanta a poeira contendo os fungos e, ao respirar, os fungos vão parar nos pulmões e aí começa o adoecimento”, explicou a professora da Famed, Anamaria Mello Miranda Paniago.
Segundo a docente, a doença pode ser muito grave porque além se espalhar para todo o pulmão, pode se disseminar para outros órgãos como, por exemplo, boca, garganta, os linfonodos do pescoço, o cérebro e outras partes do corpo.
A professora trabalha com a doença já há alguns anos. Desde o ano 2000 há no Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian (Humap-UFMS/Ebserh) um ambulatório específico para pacientes acometidos pela PCM, onde cerca de 500 pessoas já foram atendidas.
“Enfrentamos dificuldades com os métodos de diagnóstico atuais. Um deles é feito por meio da análise, via microscópio, da existência do fungo no material biológico, como escarro ou raspado da lesão que o paciente possa apresentar na boca. Esse tipo de exame, porém, costuma apresentar falsos negativos, porque o fungo não é visto se não estiver em uma grande quantidade na amostra”, apontou.
Em caso de resultado negativo em pacientes com forte suspeita da doença, são necessários procedimentos mais invasivos e com maiores riscos, como a retirada de um fragmento do pulmão, ou biópsia da laringe, por exemplo.
“São procedimentos que demandam uma estrutura hospitalar e médicos com habilidades para esse tipo de cirurgia. Há também mais riscos para o paciente”, indicou a professora. Além da análise microscópica, outro método utilizado atualmente é a sorologia, que, conforme a professora, também por diversas razões apresenta chances de falsos negativos.
Novo método
A doutoranda Eliana da Costa Alvarenga de Brito, orientanda de Anamaria no Programa de Pós-graduação em Doenças Infecciosas e Parasitárias (Ppgdip), explicou que foi durante a atuação no ambulatório do Humap-UFMS/Ebserh que observou, junto à docente, a necessidade de um diagnóstico mais rápido.
“O diagnóstico precoce é sempre favorável para o paciente, principalmente quando se trata da PCM, uma vez que permite iniciar o tratamento o mais rápido possível, prevenindo as sequelas que a doença costuma provocar”, falou. Entre as principais sequelas está a fibrose pulmonar, que costuma incapacitar o indivíduo por conta da falta de ar decorrente.
“Vendo essa necessidade começamos a pesquisar novas tecnologias e nos deparamos com a pesquisa para o diagnóstico da leishmaniose, desenvolvida pelo professor Cícero Cena, no Sisfóton”, informou a doutoranda. A ideia foi utilizar a mesma metodologia do outro estudo, a técnica de espectroscopia no infravermelho por transformada de Fourier (FTIR).
O professor Cícero Cena explicou que foram utilizadas amostras do biorrepositório montado a partir dos atendimentos no Humap-UFMS/Ebserh, com o soro de infectados e também com soro de pessoas sem a infecção. As amostras foram depositadas em um substrato espelhado e analisadas com a espectroscopia. Os pesquisadores removeram a água da amostra a uma baixa temperatura para não degradar as biomoléculas presentes. Os dados dos dois grupos foram então submetidos a uma análise multivariada, para classificá-las e diferenciá-las.
“Os resultados se mostraram bastante promissores, mas são resultados que indicam apenas uma prova de conceito. Temos a separação entre o grupo infectado e grupo controle com 93% de acurácia, mas o ideal agora é que a gente consiga estabelecer um método de validação externa”, disse.
O professor Cícero apontou que ainda são necessárias mais amostras para alimentar o banco de dados, para que seja possível fazer uma conferência com o modelo desenvolvido e verificar sua acurácia. Outra parte do estudo é fazer um teste com o controle positivo, ou seja, pegar outra doença com as mesmas características da PCM e buscar a diferenciação.
“Esperamos caminhar para um sistema que seja multiplex, por meio do qual consigamos analisar várias doenças negligenciadas simultaneamente, utilizando o mesmo método. A ideia é utilizar a análise por espectroscopia óptica do soro sanguíneo e, com os dados obtidos, termos um algoritmo que consegue fazer uma classificação dentro de uma série de classes de doenças”, falou.
A doutoranda Eliana destacou que o tempo de resposta da nova metodologia é promissor. “Na sorologia o diagnóstico demora em torno de sete dias, com essa nova técnica a previsão é que o resultado seja liberado no mesmo dia ou no dia posterior. Isso depois de validado o método”, informou.
Os resultados da pesquisa já estão publicados on-line no journal da Elsevier chamado Photodiagnosis and Photodynamic Therapy. Os dados demonstram que a acurácia do modelo, da aprendizagem de máquina, é superior a 91% para a tomada de decisão, ou seja, para fazer o diagnóstico da doença.
Sisfóton UFMS
Atualmente os pesquisadores do Sisfóton UFMS já trabalham com outras enfermidades na linha de pesquisa voltada ao fotodiagnóstico. Os estudos foram iniciados por meio de parcerias com diversas unidades da UFMS, como o Instituto de Biociências (Inbio), Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (Famez) e Câmpus de Chapadão do Sul (CPCS), entre outras; e instituições externas, como a Fiocruz, Embrapa Gado de Corte, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Universidade Estadual de MS (UEMS) e o Instituto Federal de MS (IFMS), entre outras.
O professor Cícero informou que os pesquisadores contam com a manutenção do fomento ao laboratório pelo Sistema Nacional de Laboratórios de Fotônica (Sisfóton), vinculado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) através do CNPq, e com a manutenção e ampliação das cooperações para desenvolverem novos métodos de diagnóstico dessa mesma maneira, que sejam rápidos, relativamente simples e tenham uma boa acurácia e acima de tudo um baixo custo para serem implementados.
“Isso auxilia muito no diagnóstico de doenças negligenciadas e facilita o acesso mais rápido ao tratamento ou até mesmo a um teste mais robusto que tenha uma maior confiabilidade para poder dar uma qualidade melhor ao tratamento do indivíduo. Esperamos ampliar as cooperações para estruturar um banco de dados para essa plataforma multiplex, para o diagnóstico de diversas doenças”, finalizou.
Redação Vida & Tal
Fonte: Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS).